presentes - leia mais
Estar presente indica uma posição têmporo-espacial; é o contrário de estar ausente. No presente, não se está no futuro nem no passado: se está aqui e agora (hic et nunc). O presente é atual, evidente, se apresenta, traz marcações, é vetor de lembranças e linha de pesca para o futuro.
Como substantivo, denota o tempo, no presente; ou o sujeito/objeto que está presente. Em outra acepção, é o ato de presentear; aquilo que foi dado ou recebido, a dádiva. Pode também ser interjeição: "PRESENTE!".
PRESENTES são objetos... Substantivos... Ações... Possíveis interjeições... O presente está aqui, foi dado, deixado e exclama sua presença; quer ser notado, quer ser recebido, e quer ser levado. Mas, que a embalagem não seja ilusão hipnotizadora: o verdadeiro presente está por ser descoberto. Para que seja revelado, necessita de intervenção, do ato que, primeiramente, desconstruirá para, em seguida, se tornar "presença".
Na tentativa de responder a questão de “como produzir presença através de uma ação artística”, me inspirei em trabalhos como do , como (2002) - realizado em Belo Horizonte e em São Carlos - que consistia em folhas de árvores caídas, pintadas de dourado e reinseridas na árvore -. Na sequência, busquei alcançar e provocar uma imersão profunda em camadas subterrâneas ou invisíveis da vida quotidiana, por meio de instantes poéticos de percepção, tentando ampliar a conexão com a experiência do “aqui e agora” (PORO, 2013). Assim, resolvi desdobrar a proposta artística, que tem como catalizador a árvore Paineira para a escrita do diário, com os estudos em cerâmica que venho desenvolvendo, a fim de que os objetos produzidos possam fazer o papel de aguçadores da percepção e provocadores de “sentidos de presença” (GUMBRECHT, 2010).
Assim, sob a orientação e precioso auxílio da artista Marília Diaz, no seu ateliê, em Curitiba, foram confeccionadas várias peças de cerâmica, com argila tabaco, queimadas em alta temperatura, replicando a paina, fruto da Paineira, em sua forma, textura, escala e proporção, procurando deixar explícito no objeto de cerâmica, seu caráter referencial ao análogo natural.
No interior oco das painas de cerâmica foram inseridos, por um pequeno orifício na parte inferior de cada objeto, trechos redigidos em papel do , no qual há a referência direta ao local em que se encontram, à árvore Paineira, e à questão da presença. Os objetos ganharam o nome de “Presentes” e foram abandonados nos bancos nos quais sentei durante o período de escrita do diário, como dádivas.
Os PRESENTES contém, em seu interior, a essência do trabalho, que só será concretizado quando forem quebrados, acidental ou propositadamente, por aqueles que os levarem, revelando, assim, o texto do diário, o que pode acontecer ali no momento em que a pessoa o encontrar ou dali a anos.
Do processo
Materiais
Para a confecção das peças em cerâmica foram utilizados:
- 3 formas de ovos da páscoa tamanho médio;
- 1 saco de 1kg de gesso;
- 10kg de argila tabaco para alta temperatura;
- Papel vegetal.
Além desses materiais, foram utilizados os recursos do ateliê da artista Marília Diaz como E.V.A, esteques, cortadores, rolos, plaqueira, tecidos de algodão, espuma, forno para cerâmica.
Processo: Primeiramente foram confeccionados os moldes de gesso à partir das formas de ovos da páscoa para auxiliar na modelagem da forma do fruto da Paineira. O gesso foi preparado e despejado sobre as formas previamente oleadas com vaselina e reservados para secagem, depois desinformados (FIGURA 1).
FIGURA 1 – Moldes de gesso à partir de formas de ovo da páscoa tamanho médio. Fotografia: Guilherme Carriel.
FONTE: Acervo Guilherme Carriel, 2016.
A massa de argila foi devidamente preparada na retirada das bolhas pelo método da “cara de boi”, que consiste amassar a argila de forma que a massa gire sobre si mesma e expulse as bolhas (FIGURA 2). Uma quantidade de aproximadamente 1kg era preparada por vez.
FIGURA 2 – Técnica de retirada de bolhas “cara de boi”. Fotografia: Eduardo.
FONTE: Acervo Guilherme Carriel, 2016.
Depois de preparada a massa foi para o tecido de algodão e esticado com um rolo para passar na plaqueira. Para que a massa fosse aberta na espessura de 0,5mm foi necessária diversas rolagens, que a cada milímetro necessitava ser aberta e retirada as bolhas com uma ponta seca (FIGURA 3).
FIGURA 3 – Retirada das bolhas da massa de argila com bisturi sobre a plaqueira. Fotografia: Guilherme Carriel.
FONTE: Acervo Guilherme Carriel, 2016.
A massa esticada foi cortada (FIGURA 4) no tamanho dos moldes de gesso e depois colocadas sobre o molde. A utilização de uma esponja foi necessária para evitar rachaduras sobre a massa. A argila foi retirada do molde e acondicionada em sacos plásticos para não perder umidade até o próximo passo.
FIGURA 4 – Massa esticada sobre o molde de gesso. Fotografia: Guilherme Carriel.
FONTE: Acervo Guilherme Carriel, 2016.
Várias texturas foram testadas para produzir um efeito na argila que lembrasse a textura das painas (FIGURA 5). Foram testados pedaços de madeira, rolinhos texturizados, tecidos, peças de plástico de diferentes texturas, mas o mais eficiente foi a impressão da argila sobre um dormente de madeira deteriorado utilizado como degrau no quintal do ateliê (FIGURA 6). O processo foi repetido diversas vezes para cada molde.
FIGURA 5 – Paina, fruto. Fotografia: Clarinda Rodrigues Lucas.
FONTE: Modos de olhar, 2016.
FIGURA 6 – Molde sendo impresso através de pressão sobre a textura de um dormente de madeira. Fotografia: Guilherme Carriel.
FONTE: Acervo Guilherme Carriel, 2016.
Duas metades foram coladas utilizando barbotina (argila misturada com água em estado mais líquido). Para tal procedimento, as bordas dos moldes foram hachuradas com as pontas de um garfo para permitir melhor aderência e a expulsão de possíveis bolhas. Também nessa etapa foi modelado e colado os pedúnculos na parte superior.
Após colados, os objetos foram deixados para a secagem, o que levou cerca de 4 dias. Durante esse processo, algumas finalizações foram feitas (FIGURA 7), como a raspagem e entalhe de algumas texturas e formatos utilizando uma ponta seca e a brunição com a parte côncava de uma colher de inox.
FIGURA 7 – Finalização do objeto com ponta seca. Fotografia: Eduardo.
FONTE: Acervo Guilherme Carriel, 2016.
Uma primeira leva com sete objetos foram levados para a primeira queima (biscoito) em baixa temperatura numa cerâmica artesanal localizada no bairro Campo Comprido em Curitiba. Durante esse processo de queima que levou quatro dias, um dos objetos quebrou.
Essa primeira leva foi queimada novamente em alta temperatura (1200 ºC) no forno do ateliê da artista Marília Diaz (FIGURA 8), junto com alguns objetos para vitrificação.
FIGURA 8 – Peças no forno para segunda queima, em alta temperatura. Fotografia: Guilherme Carriel.
FONTE: Acervo Guilherme Carriel, 2016.
A fase final consistiu em inserir, no orifício deixado na parte inferior do objeto, os textos (FIGURA 9) com trechos do diário, que foram escritos à mão em papel vegetal com caneta nanquim, preparando-os para a intervenção na praça.
FIGURA 9 – Inserção do papel vegetal com os trechos do diário. Fotografia: Guilherme Carriel.
FONTE: Acervo Guilherme Carriel, 2016.