Após um exercício proposto em sala de aula, no início do ano letivo de 2016 da disciplina Projeto Avançado Espaço, Tempo e Forma, que consistiu em permanecer sentado em um local urbano, no período mínimo de duas horas, registrando em um caderno tudo que fosse possível (percepções sensoriais, estéticas, arquitetônicas, humanas, sociais...), à la Georges Perec (1974), em “Tentativa de esgotamento de um local Parisiense”, dei início a um diário/livro de artista, também inspirado (mas, na época, não tão consciente disso) pelo Diário de                        (1982), onde a escrita se tornou uma forma de catarse reflexiva de questões que me eram sensíveis, ao longo do meu dia.

               O primeiro texto, referente ao exercício, aconteceu no dia 17 de Maio de 2016, na praça entre a rua Conselheiro Araújo e Visconde de Nacar, em Curitiba-PR, e até o momento, foram escritas 58 páginas.

                  Escrito em um dos meus cadernos de desenho, esboços, de anotações, de estudos, que precisou ser trocado por falta de espaço, o progresso do diário de artista seguiu, com frequência irregular. Seu conteúdo abrange questões da vida, da rotina, das percepções sensoriais, da natureza e da cidade, do convívio social, do estudo psicológico, da análise da mente e da consciência, do tempo e do espaço.

                     Uma das palavras-chave que talvez possa caracterizar o livro de artista é “suporte”, que em muitos casos, extrapola o formato códex, a linearidade e o manuseio cronológico. É a própria forma em que o trabalho se efetiva na utilização desse objeto (livro), como um suporte de um projeto artístico que o configura como tal. Nas palavras de Bernardette Panek (2005, p.3): “O livro de artista é lugar, suporte de representação, campo primário que aloja a ideia, o conceito, a representação e não a reprodução da obra original”.

           Em 2006, o professor e artista Fernando Augusto deu início ao seu projeto artístico, que se tornaria o trabalho intitulado "Duzentas Linhas", no qual ele se propôs a desenhar 200 linhas, horizontais sobre um papel branco, ato feito nas primeiras horas do dia logo ao acordar, sobre o qual ele mesmo escreveu (2007, p. 1345):

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O ato paciente e silencioso de desenhar, a cada manhã, essas linhas, é uma forma de meditação e, tem como propósito trabalhar os seguintes princípios: a generosidade, a paciência, a disciplina, o esforço entusiástico, a concentração, a sabedoria.

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                Fernando (2007, p. 1350) pontua o potencial transformador da arte e da escrita, evidenciado por outros autores como Rousseau, Tapíes, San Francisco, Lígia Clark, que por mim mesmo acabei vivenciando num dos momentos de escrita, no dia 02 de Maio de 2016, registrado no diário mencionado:

Havia algo naquele escrever, pois não era um escrever qualquer, que se remete à memória e raciocina afim de transmitir algo já estabelecido. Era um escrever que nascia por si mesmo. Não partia de uma ânsia em comunicar algo ou de se fazer ouvido. Era um escrever que não tinha um fim(...).(CARRIEL, 2016)

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            É interessante apontar que minha escrita é feita na terceira pessoa e no passado, pois compreendo que enquanto escrevo no diário, remetendo aos fatos passados ou mesmo sobre fatos que acontecem no momento da escrita, tudo que é registrado diz respeito a coisas que já foram, na “linha” do espaço-tempo, que já não estão presentes, por mais imediato que possa ser o registro, o que acaba criando uma tensão entre o que foi um momento de presença e o registro que se lê no passado. Tal abordagem na escrita também intenta deixar evidente que o momento de presença acontece no aqui e agora (hic et nunc, em latim), e que para o leitor, o "sentido de presença" pretendido pela proposta artística se dá por meio do momento da leitura, não existindo, portanto, um registro perfeitamente entrelaçado com a ação descrita no texto do diário que, apesar de ter sido desenvolvido, concomitante ao momento vivido do escritor, foi registrado, em terceira pessoa, em um tempo verbal que indica passado. O leitor, em potencial, é uma dos agentes de um futuro possível que atualiza o "sentido de presença" pretendido pelo escritor do diário. No entanto, não haverá coincidências entre um e outro agente, propositor e participante, porque os tempos/espaços internos e externos serão diferentes. Mesmo que o próprio escritor retome o diário, em nova leitura ou atualização da escrita, nada mais será o mesmo. O "sentido de presença" se manifestará de outras maneiras.

         A justificativa do texto ser escrito em terceira pessoa faz parte de um questionamento filosófico/psicológico, a partir do qual entendo que o sujeito, no caso eu como escritor, já não é mais aquele quem escreveu o texto, devido ao distanciamento no espaço-tempo daquele fato ocorrido e das experiências que formaram o sujeito, sendo também um “eu” que teria ficado no “passado”, registrado assim como um alguém que experienciou aquele momento.

          Em uma das releituras desses escritos, percebi que havia um grande número de relatos de percepções, sendo que a sensação de “presença” era um tema dominante. Passei a olhar melhor para essa questão, e em um determinado dia, nada especial, ao contrário, bem banal, tal “presença” aconteceu diante de uma Paineira, localizada na pracinha do Batel (Praça Miguel Couto) em Curitiba, no dia 01 de Agosto de 2016.

                A partir desse dia, retornei várias vezes à Pracinha onde sentei-me por alguns minutos em um dos bancos da praça, a fim de tomar notas e escrever sobre aqueles momentos. A árvore Paineira (Ceiba speciosa) tomou parte da minha reflexão poética e artística e das páginas do meu diário. A observação da árvore, da praça e da vida na cidade, naqueles momentos, está registrada nesse diário, no qual sete dias são dedicados à temática da árvore, que se configurou como base para o desenvolvimento dos outros objetos/ações contidos nesta proposta artística.